“Bati a cara”, se queixou Luciana Paes em tom charmoso ao retornar ao violão para interpretar charmosa versão de Some Unholy War, canção composta e gravada pela cantora inglesa Amy Winehouse (1983-2011) naquele que seria o melhor (e último) álbum de sua curta e brilhante trajetória artística, Back to Black (2006).
Entretanto, a despeito do charme e da invariável comicidade, o tom seguido por Luciana Paes Canta Amy Winehouse, show em que a atriz e comediante paulistana dá voz às canções da artista inglesa, foi o drama. Paes não se intimidou com a trágica história de abuso de álcool e drogas e de um relacionamento danoso que calou uma das melhores vozes do século XXI para orquestrar show com ares de cabaré que não traçou paralelos entre a história de Winehouse e da própria atriz.
Embora seja cantora mais interessante do que fizeram soar as interpretações (excessivamente) reverentes das canções registradas pela artista em dois (grandes) álbuns (Frank, de 2003 e o supracitado Back to Black), Luciana Paes optou por registro de cover, o que, embora não tenha dado a real dimensão de seu talento como cantora, valorizou mis-en-cene construída com base não apenas no fio dramatúrgico que conduziu o espetáculo em pouco menos de uma hora, mas também nos arranjos assinados por Danilo Penteado.
Compondo a programação da 24ª edição do Festival Cultura Inglesa dentro do projeto (Re)Versões, Luciana Paes Canta Amy Winehouse enfileirou 11 músicas em repertório sem grandes concessões. Hits como Back to Black e You Know, I’m no Good até marcaram presença na apresentação transmitida no último domingo, 14, e disponível na plataforma de streaming do Festival até o dia 28 de março, contudo foram temas menos conhecidos, como Stronger Than Me e It’s my Party (pescada do repertório de Quincy Jones) que sublinharam o charme do espetáculo.
À vontade no violão (em parceria com o piano de Penteado), Paes fez boa incursão por hits como Valerie, canção da banda inglesa Zutons que Winehouse tomou para si, e Some Unholy War, e tomou ares tropicalistas ao reduzir o mega hit mundial Rehab a simples vinheta dramatúrgica.
Dramaturgia essa que, se não apresenta grandes ambições senão a de utilizar com simplicidade mecanismos da autoficção para promover o encontro da personagem com sua intérprete, serve bem para pontuar temas importantes, como boa sacada ao comparar a estrela britânica a um carro em alta velocidade prestes a bater com a consciência e cumplicidade da plateia.
Paes não busca traçar perfil redentor de Winehouse – e nem sua história e temperamento permitiriam -, mas explorar a cumplicidade das duas histórias. É verdade que, à medida que se desenvolve, o show ganha contornos menos sedutores e mais apáticos, muito menos pelo trabalho da atriz e muito mais pelo esgotamento da história da inglesa, ainda muito recente, presente e explorada.
O show retorna aos trilhos quando Paes foca na construção de uma personalidade própria, que flerta com o autodestrutivo sem jamais abandonar o tom cômico, mesmo que o bloco final, enfileirando versões desossadas de Back to Black, Love is a Losing Game e a anticlimática You’re Wondering Now remetam o contrário.
Enfim, Luciana Paes Canta Amy Winehouse é cabaré que, embora passeie pela armadilha de soar como mero espetáculo cover, resulta charmoso e vai adiante na investigação do repertório de uma das principais vozes da música ocidental no século XXI.
Confira abaixo o repertório apresentado no show registrado no dia 14 de março às 19h:
1- Valerie (Abi Harding/ Boyan Chowdhury/ Dave McCabe/ Russ Pritchard/ Sean Payne, 2006)
2- I Heard Love is Blind (Amy Winehouse, 2003)
3- Stronger Than Me (Amy Winehouse/ Salaam Remi, 2003)
4- It’s my Party (Herb Wiener/ Wally Gold/ John Gluck, 1963)
5- Me And Mr. Jones (Amy Winehouse, 2006)
6- You Know, I’m no Good (Amy Winehouse, 2006)
7- Some Unholy War (Amy Winehouse, 2006)
8- Tears Dry on their On (Amy Winehouse/ Nickolas Ashford/ Valerie Simpson, 2006)
9- Back to Black (Amy Winehouse/ Mark Ronson, 2006)
10- Love is a Losing Game (Amy Winehouse, 2006)
11- You’re Wondering Now (Ruben Anderson, 1964)
Espetáculo disponível on demand no site oficial do Festival Cultura Inglesa até o dia 28 de março.