Molho tupiniquim favorece espetáculo sobre Donna Summer e atenua irregularidades da matriz

Donna Summer - O Musical | Foto: Divulgação

Quando chegou aos palcos da Broadway, em Nova York, em novembro de 2017, Summer – The Donna Summer Musical emulou, em cena, as críticas que a cantora e compositora norte americana Donna Summer (1948-2012) recebia no início de carreira: o de que sua música era fria e metálica.

Acusada de transformar o soul e a música americana em um experimento robótico sem alma, Summer não apenas venceu a barreira do preconceito com seu som, como conseguiu transformar seu ritmo em uma proposta quente, recheada de sensualidade.

 É, portanto, surpreendente que um musical dedicado à artista, construído com base em sucessos do quilate de Bad Girls (1979), I Feel Love (1977), Last Dance (1978) e Love to Love you Baby (1975), não só não tenha conseguido emular o teor catártico de sua obra, como também diminua parte da importância de sua trajetória em narrativa confusa e pouco envolvente.

Escrita por Colman Domingo, Des McAnuff e Robert Cary, Summer ganhou nova chance de fazer justiça à rainha da disco com a montagem dirigida por Miguel Falabella que chegou a São Paulo, no palco do Teatro Santander, em março de 2020 e teve sua temporada interrompida devido à crise sanitária da pandemia do Coronavírus.

Em cartaz desde setembro deste 2021, marcando o retorno dos grandes musicais aos palcos da cidade, Donna Summer – O Musical consegue, em parte, resolver problemas da matriz e adicionar molho fervente à mistura disco que fez da artista um dos principais nomes da música popular norte americana no final do século XX.

A direção de Falabella não só põe a personagem à prova, como também propõe uma comunhão com o público, transformando o palco e a plateia do Teatro Santander numa grande pista de dança em tributo aos embalos da década de 1970, quando a homenageada reinou soberana.

A frieza de sua versão original surge como obra do passado, graças, principalmente, ao bom elenco que movimenta a obra. Donna Summer – O Musical é obra em que, tal qual em Barnum – O Rei do Show, em cartaz até o final de novembro, também em São Paulo, o ensemble é formado por ótimos cantores, dançarinos e bons atores.

É convincente o trabalho do elenco de apoio orquestrado por Falabella, que consegue extrair boas interpretações de seus atores, ainda que, inegavelmente, o destaque de Donna Summer – O Musical esteja focado no trabalho de dois grandes nomes do teatro musical tupiniquim.

Na pele do empresário Neil Bogart, Marcel Otávio consegue mais um bom momento em cena para seu hall iniciado há quatro anos, quando brilhou na pele do professor em excelente performance em Rocky Horror Show, sob a direção de Charles Möeller e Cláudio Botelho. Com timing cômico apurado, o artista emula o ar cafajeste dos grandes produtores do mercado fonográfico da década de 1970, e valoriza todas as suas passagens em cena.

Já, na pele de Diva Donna, a figura mais madura e icônica entre as três leituras de Donna Summer propostas pela dramaturgia, Karin Hills angaria seu melhor momento em cena dentro dos musicais. A artista, que brilhara em obras como Hair (2010) e Mudança de Hábito (2015), encontra em Donna Summer – O Musical a chance de comprovar a evolução contínua como atriz.

Ainda que tenha menos momentos em cena do que a leitura de sua personagem faz supor, Hills emula o caráter e a segurança de uma atriz madura, que não apenas encontrou um de seus grandes papéis, como soube construí-lo e aproveitá-lo sem necessariamente precisar se apoiar em seus (ainda impressionantes) dotes vocais.

E, de fato, são de Hills os melhores momentos em cena, seja no show inicial ao som de I Feel Love, seja no desfecho quase onírico ao som de Last Dance, a artista angaria o título de um dos principais nomes do teatro musical tupiniquim.

No papel de Disco Donna, Jennifer Nascimento, por sua vez, rende menos que sua colega, ainda que tenha, em cena, a chance de voltar a comprovar os dotes vocais quando põe sua voz tamanha à serviço das supracitadas Love to Love you Baby e Bad Girls, entre outras. A personagem da cantora movimenta boa parte da obra, ainda que, inegavelmente, seja Hills quem faça da montagem brasileira experiência muito superior à de sua produção original.

Mérito, também, da equipe técnica, que valoriza o molho tupiniquim proposto por Falabella, seja nos (bons) figurinos de Theo Cochrane, no visagismo de Anderson Bueno e Simone Momo, ou na coreografia de Bárbara Guerra. Entretanto, é a direção musical de Carlos Bauzys e o desenho de luz de Caetano Vilella que fazem com que o espetáculo resulte vibrante, sem jamais abandonar a delicadeza.

Ainda que o cenário de Zezinho e Turíbio Santos faça pouco pela obra, e a versão de Bianca Tadini e Luciano Andrey resulte (excessivamente) reverente, Donna Summer – O Musical já tem o mérito de fazer crescer obra que, desde sua matriz, nunca fez jus ao legado de sua homenageada. Isso, até agora.

SERVIÇO:

Data: 02 de setembro a 28 de novembro (quinta-feira a domingo)

Local: Teatro Santander – São Paulo (SP)

Endereço: Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2041 – Itaim Bibi,

Horário: 21h (quinta e sexta-feira); 17h30 e 21h (sábados); 16h e 19h30 (domingos)

Preço do ingresso: R$ 75,00 a R$ 280,00

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