O Fracasso da Semana de 22

Assim como em 22, a Semana da Arte Moderna flopou… de novo! 

Em 13 de fevereiro de 1922 começava a nada popular Semana da Arte Moderna, que se estendeu por cinco dias no palco mais tradicional da cidade de São Paulo. A proposta, cheia de audácia e revolução, foi bancada pela aristocracia paulistana e só surtiu o impacto desejado anos depois. Hoje, ocupa lugar de destaque nos livros didáticos como marco do modernismo no Brasil, o que poderia significar que aprendemos de fato algo com ela, mas não foi bem assim.  

Em 2012 o jornalista Marcos Augusto Gonçalves publicou 1922 – A Semana que Nunca Acaba, livro que revela os bastidores do evento – com a presença de nomes como Mário e Oswald Andrade, Anita Malfatti, Menotti del Picchia e Heitor Villa-Lobos, entre outros -, e traça um panorama dos anos que o antecederam, com seus efeitos e dissabores. 

Gonçalves deixa claro que por trás da concepção da ideia modernista, existia muita contestação, paixão e uma pitadinha de bairrismo entre os paulistanos por trás da ideia de uma identidade brasileira, buscada desde a poesia de Mário de Andrade até a pintura de Tarsila do Amaral. Existia a preocupação com a identidade de uma São Paulo recém existente.

Diferente da história da pequena São Paulo que surgia em torno de um colégio, essa despontava como locomotiva financeira do país e não se sentia representada culturalmente no que dizia respeito à imagem do Brasil no exterior. Naquele momento foi preciso que esse processo fosse arquitetado, pensado e bancado.

Talvez poucas pessoas adentraram àqueles portões em estilo colonial do Teatro Municipal naquela semana de 29. Arrisco dizer que a maioria esmagadora da população não tinha ideia do que estava acontecendo. 

Da plateia citada nos relatos da época, que de tão escandalizada levantou-se e saiu no meio das sessões, era, que fique bem claro, a fatia da população privilegiada e que vivia na analfabeta São Paulo da década de 1920. Já naquela época, a arte moderna e contemporânea estava bem longe de ser popular. 

O estranhamento, tão buscado nas obras de Anita Malfatti, exigiam bagagem crítica e associações que ainda hoje passam bem longe aos olhares ingênuos. 

Claro que apontar crítica social à mobilização dos modernistas com base na desigualdade social é, hoje, quase um anacronismo, uma vez que nem o sentido de cultura era compartilhado de forma democrática na época. O modernismo antecede uma série de movimentos sociais, reivindicações e descobertas tão óbvias na atualidade. O que não dá também é para comemorar os 100 anos de seu acontecimento e ignorar toda a revolução cultural a qual o Brasil e, mais necessariamente, São Paulo, passou. 

A Semana da Arte Moderna que Mário de Andrade (que, mais adiante, fundou a primeira diretoria de cultura da cidade, dando início ao que hoje é a Secretaria Municipal de Cultura) provavelmente sonhara, era a que abriria definitivamente os portões do Teatro Municipal para a arte de rua tão pulsante na cidade de São Paulo, levaria orquestras aos encontros dos muros grafitados do centro e apostaria em parcerias (por que não?) entre eruditos da Sala São Paulo e baterias de escolas de samba. Aí sim, a Semana da Arte Moderna de 22 deixaria de ser um assunto para se tornar, de fato, um movimento.

Deixar este tema ainda a cabo de portões de instituições e numa programação elitista do Teatro Municipal é a prova de que a cidade cresceu, mas sua valorização cultural continua a mesma da época: se gabando por criar eventos que movimentam a São Paulo dos ricos e nem sequer chega aos pobres. Um flop monumental.

Especialista em Acessibilidade Cultural, Bruna Burkert é atriz, dramaturga e produtora. Ativista Cultural, amante do teatro de rua e da cultura periférica e inclusiva.

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