Irregular, Três Mudanças busca naturalismo, mas peca por direção conservadora

O elenco de Três Mudanças

Quando foi montada pela primeira vez no Brasil em 2003, a obra do dramaturgo norte americano Nicky Silver carregava nada mais senão o título de ser produzida por um autor cultuado em ambientes universitários. Sem a valorização do mainstream cultural dos Estados Unidos, Silver encontrou no Brasil real projeção com montagens que lhe dedicavam um olhar operístico e, até, absurdo. 

Foi assim com a encenação de Os Solitários (que unia dois de seus clássicos instantâneos, Homens Gordos de Saia e Pterodátilos), Os Altruístas, Adorável Garoo e a remontagem de Pterodátilos, todas voltadas a um universo longe do que viria a ser o retrato de Família Lyons, uma das peças mais famosas de Silver, que chegou ao Brasil sob a direção de Marcos Caruso, valorizando um naturalismo na obra do dramaturgo. 

É por esse caminho que segue Três Mudanças, que cumpre temporada até dia 02 de maio no Teatro Itália, zona central da cidade. Na montagem dirigida por Mario Bortolotto, todo o teor absurdo e operístico é deixado de lado em prol de uma montagem que busca o teatro natural, flertando com a comédia de situação. Bortolotto imprime na montagem um ar cinematográfico que flerta com a obra de diretores como Woody Allen. 

À medida que o espetáculo se desenvolve, contudo, é possível perceber a direção assumida pelo texto, abrindo espaço para certo terror soft. O espetáculo retrata a vida de um casal de classe média, Nathan e Laurel, que recebem a visita de Hal, irmão mais velho de Nathan que abandonou a família para se tornar um autor de séries televisivas. 

O visitante, contudo, torna-se um morador fixo, impondo, primeiro, sua presença e depois a do jovem Gordon na rotina familiar, e desenvolvendo um relacionamento dubio com o irmão e a cunhada. Em paralelo, está a amante Steffi, que, de cera forma, funciona como uma espécie de pseudonarradora ‘gonzo' para a história. 

Sob a direção de Bortolotto, o espetáculo transcorre em tempo arrasado, com insistentes blackouts que não apenas cansam, mas também são excessivamente desnecessários – principalmente por servirem como muletas para as trocas de cena. 

Pensada por Marisa Bentivegna, a luz como um todo carece de inventividade – assim como o cenário. Se a encenação buscou trabalhar com uma linguagem naturalista, faltou à luz buscar elementos que o aproximassem da linguagem cênica, e o afastassem de um flerte cinematográfico pouco favorável para a encenação com o um todo. 

Também irregular, o elenco pouco faz pela veracidade da história. Excelentes atores, Nilton Bicudo e Carolina Mânica constroem, respectivamente, Hal e Laurel a beira de um maniqueísmo que não ajuda a convencer sobre a dubiedade das personagens, assim como Lucas Romano, como Gordon, acerta o tom de inicio, mas se perde em uma caracterização que periga o histrionismo – atingido por Renata Becker na construção pouco eficaz de sua Steffi. 

Na pele do jovem empresário Nathan, Bruno Guida também rende pouco, com uma construção excessivamente plácida de sua personagem – que faz com que sua virada resulte pouco crível. 

Durante o espetáculo, a despeito da tradução irregular assinada por Clara Carvalho – geralmente hábil tradutora e versionista –, a dramaturgia de Silver se sobressai à direção de Bortolotto, deixando claro que, ao optar por um registro naturalista, o diretor não soube conduzir a história para a catarse dúbia da cena final que, apesar de irregularidades na própria matriz dramatúrgica, ressoa ainda menos impactante sob a ótica dessa montagem que poderia ser grande, mas não foi.

SERVIÇO:
Três Mudanças
Data: 11 de abril a 02 de maio (quartas e quintas-feiras)
Local: Teatro Itália – São Paulo (SP)
Endereço: Avenida Ipiranga, 344, Edifício Itália, prox. ao Metrô República
Horário: 21h
Preço do ingresso: R$ 50,00 (inteira)/ R$ 25,00 (meia)

*As informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

Notícias relacionadas