Ator e autor mais produtivo de sua geração, Luccas Papp se sobressaiu nos últimos anos como um dos principais dramaturgos jovens entre o final da década de 2010 e início da de 2020. No período, o artista encenou obras que fundiam linguagens para celebrar a cultura pop, a linguagem jovem e as histórias de amor, amizade e realizações pessoais.
Desde 2 Palitos ou A Fantástica Insensatez da Existência, obra de 2018 e um de seus melhores trabalhos, Papp já assinou e estrelou montagens de obras como O Último Mafagafo (2019), O Ovo de Ouro (2019), O Canto de Ninguém (2020), A Ponte (2020), Jimmy (2021) e este A Bicicleta de Papel (2021), entre outros.
Em cartaz no Teatro das Artes, em São Paulo, A Bicicleta de Papel é título salutar na obra de Papp, ao repetir e desenvolver signos e linguagens de espetáculos anteriores. ecos de obras como 2 Palitos, O Ovo de Ouro e A Ponte são ouvidos com facilidade neste drama sobre amizade, luto, perdão e auto responsabilidade encenado por Ricardo Grasson e estrelado por Papp ao lado de Leonardo Miggiorin.
Na obra, o jovem Ian (Papp) se prepara para a virada do milênio acompanhado da solidão e da culpa de ter causado o acidente que matou sua família ao atravessar um farol vermelho e colidir com um caminhão.
A chegada do amigo Noah (Miggiorin) para lhe fazer companhia durante a festa mexe com os sentimentos de Ian, incapaz de se perdoar e de seguir em frente no processo de reconstrução de sua vida, e incapaz de abrir possibilidades de ser feliz.
À primeira vista, o espetáculo ressoa com uma comunicação truncada entre elenco e plateia ao tentar localizar a obra no final dos anos 2000, com citações musicais e do mundo do cinema, abraçando a linguagem pop presente nas peças do autor. Contudo, à medida que se desenvolve em pouco mais de uma hora, a peça ganha contornos delicados.
A relação íntima de amizade entre as personagens norteia o espetáculo numa construção singela, buscando envolver o público em histórias pregressas implícitas na forma que a dupla se relaciona e expande questões como a autopiedade, a depressão, a dor do luto e a busca pelo perdão para que a vida possa seguir seu rumo.
Papp constrói em seu Ian uma espécie de compilado de suas personagens anteriores, percorrendo registros e opções cênicas que remetem a obras anteriores. Não há nisso um demérito, uma vez que os sentimentos complicados que percorrem as ações da personagem são apresentadas no mesmo tom soturno e paulatino que sua personagem percorre a cena.
Já Miggiorin opta por uma construção solar que, a despeito do que o espetáculo possa sugerir, não é um contraponto à personagem de Papp, mas sim um complemento. O ator enche sua personagem de registros dúbios para lidar tanto com a personalidade deprimida do amigo quanto para superar seus próprios traumas e frustrações.
A direção de Ricardo Grasson cresce justamente ao dar gás a estes registros tão díspares à primeira vista. O diretor opta por uma linguagem de tom naturalista, sem jamais abandonar as possibilidades fantásticas do texto de Papp.
Ainda que não consiga atingir o registro poético pretendido pela construção da (boa) cenografia assinada por Grasson em parceria com o autor, e do figurino de Cássio Scapin, a encenação se sobressai no registro da beleza plástica – driblando o irregular desenho de luz de Gabriele Souza, que não consegue imprimir a mesma beleza singela de outros elementos da encenação.
Desaguando em desfecho (até) previsível se levada em conta a obra do autor, A Bicicleta de Papel é espetáculo que promove a manutenção da linguagem de Luccas Papp e propõe um avanço não apenas em sua dramaturgia, mas também na simbiose entre sua assinatura e a direção de Ricardo Grasson que, neste espetáculo, resulta em material singelo e com alguma poesia.
SERVIÇO:
A Bicicleta de Papel
Data: 10 de janeiro a 28 de fevereiro (domingos)
Local: Teatro das Artes, São Paulo – SP
Endereço: Av. Rebouças, 3970 – 3º Piso do Shopping Eldorado
Horário: 19h
Preço do ingresso: R$ 30,00 (meia) a R$ 60,00 (inteira)