Dramaturgia da cena torna Fernanda Montenegro apta a ingressar na ABL, mas não exime questionamentos

Fernanda Montenegro em cena em "Nelson rodrigues por Ele Mesmo"; Atriz deve assumir cadeira deixada por Affonso Arinos | Foto: Divulgação

É inegável a importância de Fernanda Montenegro para a consolidação de uma linguagem dentro do teatro nacional dificilmente entrará em cheque, uma vez que a artista, ao lado de seu Teatro dos 7, foi responsável por resgatar obras de dramaturgos tão clássicos quanto esquecidos dentro do teatro nacional, entre eles Arthur de Azevedo (1855-1908).

A artista também foi uma das principais responsáveis pelas incursões dramatúrgicas do cronista e cartunista carioca Millôr Fernandes (1923-2012) ao longo dos anos, isso sem contar sua insistência para que Nelson Rodrigues (1912-1980) escrevesse (e entregasse) aquela que seria considerada sua obra prima dramatúrgica: O Beijo no Asfalto.

É claro que a influência que a artista exerceu sobre estes grandes nomes da dramaturgia brasileira não a credenciam com força para ocupar uma cadeira como imortal na Academia Brasileira de Letras. Entretanto, Montenegro fez mais. A artista não apenas imprimiu leituras diversas para clássicos do palco, como também criou literatura cênica própria.

Ao abordar os textos de nomes como Adélia Prado, Simone de Beauvoir (1908-1986) e do próprio Nelson Rodrigues, Montenegro criou sua própria dramaturgia, tornando-a uma candidata interessante para a cadeira 17 que antes pertencera ao diplomata mineiro Affonso Arinos de Mello Franco (1930-2020).

Sua candidatura única pode ser uma das explicações do fato de seu nome estar praticamente confirmado para ocupar a cadeira e se tornar, assim, uma imortal, ainda que tenha co-escrito apenas seu livro de memórias, Prólogo, Ato, Epílogo (2019), ao lado da jornalista Marta Góes.

Entretanto, Montenegro entra no panteão de estranhezas que, por exemplo, concederam o Prêmio Nobel de literatura ao roqueiro Bob Dylan, por suas letras musicadas e gravadas ao longo de mais de 60 anos de carreira. O mesmo poderia acontecer a compositores como Chico Buarque de Hollanda, Rita Lee, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Paulo César Pinheiro, Arnaldo Antunes, Paulinho da Viola, e, claro, Martinho da Vila, que tentou o posto por duas vezes sem sucesso.

 O trabalho desenvolvido por Montenegro no teatro não apenas a credencia, como também lhe dá subsídio para ser uma candidata feroz ao posto de imortal da ABL. Contudo, sua irremediável vitória volta a levantar questionamentos importantes sobre o real papel da Academia Brasileira de Letras nos cenários social, cultural e político da língua portuguesa.

Ao renegar a entrada da romancista Conceição Evaristo em prol da entrada do cineasta Cacá Diegues, por exemplo, a Academia se mostra não apenas fechada para figuras de fora de seu núcleo mais próximo, mas também incapaz de olhar com viés crítico, analítico e meritocrático a produção literária em constante modulação de um Brasil plural não apenas em sua raça, mas também em sua literatura.

Evaristo não fez a política necessária para se tornar uma imortal, ainda que sua literatura, de acordo com especialistas, a credencie para o posto. Embora a entrada de Diegues seja defendida com (bons) argumentos, uma vez que o autor também produziu (boa) literatura com os roteiros de filmes como Quando o Carnaval Chegar (1972), Joana Francesa (1976), Xica da Silva (1976), Bye Bye Brasil (1979), Um Trem para as Estrelas (1987) e Dias Melhores Virão (1989), é inegável o caráter clubista de uma eleição à ABL.

É esse mesmo caráter que faz da inevitável seleção de Montenegro uma questão tão acrítica e enviesada quanto a votação em prol do nome de José Sarney por seu convalescente livro de poemas Marimbondos de Fogo (1978).

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