Sem conhecimento do mercado da Broadway, Mário Frias ainda precisa explicar agenda milionária nos EUA

Secretário Especial da Cutura Mário Frias | Foto: Divulgação

A entrevista concedida pelo ator e Secretário Especial da Cultura do governo Bolsonaro Mário Frias ao programa Morning Show, da rádio Jovem Pan, na última sexta-feira, 18, trouxe algumas complicações para sua permanência à frente do cargo no governo Bolsonaro. 

Primeiro porque, ao não conseguir explicar com clareza a necessidade de gastos considerados excessivos (R$ 39 mil reais para quatro dias de viagem e com uma agenda magra), o Secretário entrou na mira da ala política do governo formado essencialmente pelo Centrão e comandado por Ciro Nogueira; segundo porque, exceto pelo encontro com o ex-lutador de jiu-jitsu Renzo Gracie, é impossível saber o que Frias de fato fez em terras norte americanas.

Ao responder questionamento do jornalista Paulo Mathias, o ator declarou que teria se encontrado com “profissionais da Broadway” para uma reunião que teria como mote “entender como fazem peças de sucesso sem recursos públicos” e também “para cobrar dessas pessoas que fizessem, ao trazer um espetáculo para o Brasil, uma contrapartida profissionalizante para atores de musical”.

As duas declarações podem ser lidas de três formas diferentes. A primeira, é que Frias não entende do mercado de musicais, seja no Brasil, seja nos Estados Unidos, e, ao não compreendê-lo, mostra que os novos tetos de captação estabelecidos para a Lei de Incentivo à Cultura (Rouanet) não são necessariamente resultado de um parecer técnico.

A segunda leitura é a de que o Secretário pode ter se equivocado ou mesmo ter sido enganado. Seja por alguém de seu escritório dentro da Secretaria, que não o orientou corretamente frente a como funciona o licenciamento de montagem de um espetáculo da Broadway no Brasil, seja ele uma peça, seja ele um musical.

É importante ressaltar as diferentes nomenclaturas. Produtores da Broadway são aqueles que buscam levantar um show, tal qual no Brasil; a diferença é que nos Estados Unidos, com o capital aberto e a política liberal, os espetáculos que compõem a programação dos grandes teatros são patrocinados, em suma, por empresários que enxergam nas obras uma boa fonte de investimento, porque tendem a recolher seu capital de investimento inicial e o lucro com uma sequência de produtos, desde o licenciamento da imagem da obra até a venda de direitos ao redor do mundo, passando pela montagem de uma turnê que geralmente é capaz de rodar os rincões dos Estados Unidos e, claro, a venda de ingressos.

Portanto, um produtor da Broadway bate de porta em porta para conseguir o dinheiro, mas, como os grandes espetáculos são investimentos (alguns, como O Fantasma da Ópera, com capital aberto na Bolsa de Nova York) do setor privado, não há lei de incentivo uma vez que a maioria dos espetáculos cumpre temporadas longas o bastante para pagar seus gastos com o valor da bilheteria, mantida essencialmente pelo turismo.

Portanto existem aqui dois pontos primordiais dentro da cultura norte americana que se reflete na venda de ingressos de seus espetáculos: a cultura de incentivar o ensino teatral e a criação de uma identidade própria, que faz com que Nova York seja lida como a grande meca do teatro mundial, desde o musical, até obras menos comerciais.

Outro ponto interessante da entrevista do Secretário é que Frias declara ter estreitado laços com profissionais os quais, naturalmente, não cita os nomes. “Essa visita se fez importante justamente para estreitar os laços, conversar com os grandes profissionais para informá-los que a nova política do governo não permite mais gastos absurdos e que era necessário, dentro da estrutura de um musical que ele trouxesse para o Brasil, a formação profissional para essa trupe, que são cantores, músicos, maestros, cenotécnicos, [SIC] cenografia”.

Voltando à primeira leitura, o Secretário talvez desconheça o trâmite que diz respeito ao fato de um produtor norte americano não montar nenhum espetáculo no Brasil. Ao contrário. A nível de informação, produtores brasileiros negociam com agências responsáveis por direitos autorais e, destas negociações, surgem discussões acerca de uma montagem que seja feita no estilo franchising, isto é, com o mesmo cenário, figurino e concepção da montagem considerada oficial, seja a da Broadway, seja a de alguma turnê responsável por azeitar o espetáculo, seja com a liberdade de criação, quando diretores, cenógrafos, figurinistas, visagistas, diretores musicais e outros profissionais têm a liberdade de criar, a partir da concepção origina, sua própria montagem de um texto teatral.

Em outras palavras, produtores americanos não trazem seus espetáculos ao Brasil, o que faz com que essa suposta conversa soe, no mínimo, equivocada. É de se pensar que, caso tenha havido, Frias tenha sido enganado por algum bon vivant que se fez passar por produtor, mas é difícil saber.

Por fim, a terceira leitura possível é a de que o Secretário Especial da Cultura mente, e não tenha havido nenhum encontro com produtores da Broadway para discutir políticas culturais. Até porque ele seria o primeiro representante brasileiro a ser recebido por produtores de um conglomerado teatral norte americano para discutir assuntos que efetivamente não lhes dizem respeito. 

E como para americanos tempo é dinheiro, dificilmente durante uma pandemia e com a Broadway se reerguendo após um baque financeiro de milhões de dólares com o atraso, adiamento e cancelamento de dezenas de espetáculos que tiveram seus faturamentos profundamente afetados, dedicariam tempo a ouvir o discurso feito para a base bolsonarista que Mário Frias pretende fidelizar de olho em sua candidatura a deputado federal.

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